Componentes letiva e não letiva: análise do normativo legal



Já sabemos que estar informado é condição fundamental para garantir o respeito, quer dos deveres, quer dos direitos, e é com base no respeito pelo legalmente disposto  que, a escola como um todo, e individualmente, os professores, contribuem para a melhoria do funcionamento da escola.
Tudo aquilo que constituem deveres e direitos do docente (ou da escola) estão definidos na lei. Tudo aquilo que não está, não existe. Este é um  princípio básico a não esquecer. Outro princípio fundamental a lembrar é o da obrigatoriedade do cumprimento do enunciado na lei.  Não é algo que esteja subordinado à vontade do docente  ou da direção da escola/agrupamento.
Num post anterior divulguei o normativo que estabelece regras e princípios orientadores a observar, em cada ano lectivo, na organização das escolas e na elaboração do horário semanal de trabalho do pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação. É este normativo que hoje merece um olhar atento no que concerne ao definido para as componentes letiva e não letiva do docente. Focar-me-ei, essencialmente, nos aspetos que interessam ao pré-escolar e ao 1º ciclo. Em qualquer caso, aconselho a leitura integral do despacho.
Assim, relativamente ao Despacho n.º 5328/2011, de 28 de Março, podemos ler:
 
Artigo 2.º - Princípios gerais de organização da escola e dos horários de trabalho
3 — Na elaboração do horário de trabalho do pessoal docente é obrigatoriamente registada a totalidade das horas correspondentes à duração da respectiva prestação semanal de trabalho, com excepção da componente não lectiva destinada a trabalho individual e da participação em reuniões de natureza pedagógica convocadas nos termos legais, que decorram de necessidades ocasionais e que não possam ser realizadas nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 82.º do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ECD).


6.º - Componente não lectiva de trabalho individual.
 1 — A componente não lectiva de trabalho individual compreende a realização do trabalho de preparação e avaliação das actividades educativas realizadas pelo docente, bem como a elaboração de estudos e de trabalhos de investigação de natureza pedagógica ou científico--pedagógica.
2 — Na determinação do número de horas destinado a trabalho individual e à participação nas reuniões a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º, deve ser tido em conta o número de alunos, turmas e níveis atribuídos do docente, não podendo ser inferior a oito horas para os docentes da educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico (...)

Artigo 7.º - Componente não lectiva de trabalho a nível de estabelecimento
1 — Cabe ao director dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas determinar o número de horas a atribuir à componente não lectiva de estabelecimento de cada docente, nos termos do artigo 82.º do ECD, garantindo, em qualquer circunstância, um mínimo de uma hora,  para além das reuniões para as quais o docente seja convocado, respeitando-se o disposto no n.º 1 do artigo 76.º do ECD.
4 — Na componente não lectiva a nível de estabelecimento é exercido todo o trabalho que não seja lectivo nem integre a componente não lectiva de trabalho individual, designadamente:
a) Avaliação do desempenho de outros docentes;
b) (...)
c) Coordenação dos departamentos curriculares;
d) Coordenação de outras estruturas de coordenação educativa e supervisão pedagógica previstas no regulamento interno, nomeadamente grupos de recrutamento ou áreas disciplinares, conselho de docentes, (...)  coordenação de ano, ciclo, direcção de instalações;
e)
f)
g)
h)
i) Assessoria ao director do agrupamento ou escola não agrupada;
j) Substituição de outros docentes do mesmo agrupamento de escolas ou escola não agrupada na situação de ausência de curta duração, nos termos do n.º 5 do artigo 82.º do ECD;
k) Orientação e acompanhamento de alunos nos diferentes espaços escolares;
l) Dinamização de actividades de enriquecimento e complemento curricular, incluindo as organizadas no âmbito da ocupação plena dos tempos escolares;
m) Actividades de apoio ao estudo dos alunos do 1.º ciclo;
n) Apoio individual a alunos;
o) Frequência de acções de formação contínua que incidam sobre conteúdos de natureza científico-didáctica com estreita ligação à matéria curricular que o docente lecciona, bem como as relacionadas com as necessidades de funcionamento da escola definidas no respectivo projecto educativo ou plano de actividades, sempre que decorram fora dos períodos de interrupção das actividades lectivas, caso em que serão deduzidas na componente não lectiva de estabelecimento (a cumprir pelo docente no ano escolar a que respeita).
5 — ... a componente não lectiva de estabelecimento dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico é ainda utilizada na supervisão pedagógica, no acompanhamento da execução de actividades de animação e de apoio à família, no âmbito da educação pré -escolar, bem como em actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico.
6 — As actividades de apoio ao estudo, no âmbito do 1.º ciclo do ensino básico, são asseguradas pelo docente titular de turma sempre que no agrupamento de escolas não possam ser realizadas por docentes sem horário lectivo atribuído, com insuficiência de tempos lectivos, com dispensa da componente lectiva, por docentes de apoio educativo ou por qualquer docente do agrupamento na sua componente não lectiva de estabelecimento.
7 — As horas de componente não lectiva de estabelecimento são utilizadas prioritariamente no exercício das funções referidas nas alíneas a), j), c), l) e n) do n.º 4, por esta ordem.

Artigo 17.º - Redução das tarefas administrativas
1 — A marcação e realização das reuniões previstas no n.º 3 do artigo 2.º do presente despacho e na alínea c) do n.º 3 do artigo 82.º do ECD deve, para o reforço da sua eficácia, eficiência e garantia do necessário tempo para o trabalho dos docentes a nível individual, ser
precedida de:
a) Planificação prévia da reunião, estabelecendo as horas do início e do fim e com ordens de trabalho exequíveis dentro desse período;
b) Atribuição aos seus membros de trabalho que possa ser previamente realizado e que permita agilizar o funcionamento dessas reuniões;
c) Estabelecimento de um sistema de rigoroso controlo na gestão do tempo de forma a cumprir a planificação.
2 — Os órgãos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e, bem assim, as respectivas estruturas de coordenação educativa e supervisão pedagógica devem:
a) Evitar a exigência ao pessoal docente de documentos que não estejam legal ou regulamentarmente previstos;
b) Contribuir para que os documentos exigidos aos docentes ou produzidos na escola tenham uma extensão tão reduzida quanto possível;
c) Assegurar que a escola só se envolve em projectos que se articulem com o respectivo projecto educativo.

Em síntese:
- O horário do docente deve ser entregue no início da sua atividade e nele deve constar a totalidade de serviço docente (35 horas) e o tempo e o serviço distribuído no âmbito da componente não lectiva de trabalho a nível de estabelecimento.
Quem começou a trabalhar no dia 1 de setembro já deveria estar na posse  do seu horário de trabalho mas isso não acontece em muitos agrupamentos. É um direito do docente exigir que lhe seja entregue. É uma falha no exercício da gestão da escola.

- O tempo mínimo obrigatório destinado ao trabalho individual e à participação em reuniões que não possam ser realizadas na componente de trabalho a nível de estabelecimento é de 8 horas. 
Daqui facilmente se deduz o seguinte: 25h de componente letiva + 8h de trabalho individual + 2h de trabalho de estabelecimento = 35h de trabalho semanal. Está completo o horário.
O artº 7º alerta para o cumprimento do n.º 1 do artigo 76.º do ECD. Este obriga precisamente ao cumprimento das 35 horas. Não menos, nem mais.
A realização de reuniões (de carácter esporádico)  na componente de trabalho individual não pode comprometer, no entanto, a preparação das atividades letivas. Caso isso aconteça, é legítimo que o docente alerte para o facto dessas situações comprometerem a qualidade do seu desempenho uma vez que o tempo que tinha destinado a preparar/avaliar as atividades ter sido gasto em reuniões. Como prevê o próprio despacho no artº 17º, dever-se-á reduzir as tarefas administrativas.
Cumprir o horário é um dever e um direito do docente, na medida em que a mais não está obrigado, e de facto, ninguém o obriga. Tudo que faça a mais é sempre uma opção do docente. É trabalho voluntário sobre o qual não pode recair nenhum reparo que penalize o docente. Fazer cumprir o horário e respeitá-lo  é um dever da direção da escola/agrupamento.

- As 2 horas de trabalho de estabelecimento deverã ser utilizadas na participação  em reuniões de departamento, articulação e outras, supervisão e atendimento aos encarregados de educação. Quanto ao atendimento aos pais, há a esclarecer que a ideia da obrigatoriedade de definir 1 hora mensal para o efeito, não existe. É importante garantir a sua existencia mas sempre enquadrada no trabalho de estabelecimento.
Este aspecto é importante porque parece haver grande confusão quanto a isto. São 2 horas de componente de trabalho de estabelecimento. Não mais!
Não são duas horas de apoio ao estudo (1º ciclo), MAIS 15 minutos por semana para atendimento aos pais, MAIS ...minutos para supervisão das AEC. Não são duas horas de supervisão às atividades da componente de animação e de apoio à família, MAIS .... minutos para atendimento aos pais. Não são duas horas disto/daquilo, MAIS ... horas de reuniões.
São duas horas,  às quais se abate o tempo das atividades enquadradas no âmbito da componente de estabelecimento. Cabe à direção fazer (e mandar fazer) uma gestão adequada dessas horas. Não é só regra de boa gestão. É um dever.
Na semana em que se utilize as duas horas numa atividade dever-se-á dispensar o docente do cumprimento de outras atividades previstas nesse âmbito, uma vez que o tempo esgotou. Caso contrário não se cumpre o horário legalmente imposto.

- É o próprio Ministério da Educação a exigir, no artº 17º,  eficiência e eficácia na gestão do tempo que se faz e das tarefas a exigir ao docente. Leiam com atenção.
Reuniões que se realizam por tudo e por nada, reuniões que duram hooooooooooooooooooras sem que daí resulte nada de útil, (e mesmo que resultasse pecava por falta de eficiência!) é responsabilidade das escolas, é responsabilidade dos docentes. Nem se pode imputar esta responsabilidade a mais ninguém quando a lei determina uma coisa e nas escolas fazem outra, em tudo contrária.

Há coisas que acontecem nas escolas que não têm justificação e não são aceitáveis. Fazer as coisas de determinado modo porque "aqui é hábito fazer assim", fazer-se o que "era antigamente", quando, há anos, já é de outro modo porque a legislação não é estática, não faz qualquer sentido. Interessa a todos estar informado para se atualizar e fazer as coisas como é exigido.
As direções dos agrupamentos devem, sem exceção, cumprir e fazer cumprir  a lei. Não há modas, ao estilo, "aqui faz-se assim, ali faz-se de outro modo". Não é uma questão de opção cumprir o que ditam os normativos legais.
Exigir o respeito por direitos e pelo cumprimento de deveres não é uma manifestação de mau carácter, manias, propensão para criar mau ambiente ou ser "um colega complicado".  É um direito e é um dever. É em tormo disto e em torno de outros aspectos que de facto contribuem para a melhoria do serviço que se presta, que as escolas e os docentes, devem juntar-se e investir tempo em refletir. Quem sabe, se numa das reuniões? Perder tempo não é util. Útil é utilizar o tempo de modo proveitoso.


Obs: Para consultar o ECD com as alterações feitas fica aqui uma hiperligação.


6 comentários:

rita disse...

Muito importante para quem tem 2horas por semana de TE. Na semana do Departamento não se faz TE.

Cristina Lares disse...

Boa, nem mais!!
Para que não restem dúvidas este é um útil e esclarecador post!!
Bom trabalho.
Bjitos

Manuela de Brito disse...

Boa noite, Albertina.
Considero este poste muito importante. Mas no meu Agrupamento, as Educadoras estão a viver um momento angustiante relativo às interrupções educativas/articulação com o 1º Ciclo.De acordo com o calendário escolar para o Pré-escolar, os educadores, têm até 3 dias para articular com o 1º ciclo, no mesmo momento de avaliação. Este ano o coordenador do Pré- escolar e do1º ciclo, decidiu (em reunião com o executivo) alterar tudo e as educadoras são obrigadas a fazer as reuniões após as atividades letivas e não temos direito aos tais 3 dias, porque já temos 5 dias de interrupção letiva. Preciso muito que a Albertina,ou outras colegas nos ajudem e nos indiquem quais os argumentos que podemos utilizar, para cumprir a lei. E já agora, se me permite, só mais uma questão: supondo que até tinhamos esses 3 dias para articulação,quem fica com as crianças? Poderá ser a Case? Por favor precisamos da vossa ajuda e de uma resposta muito urgente.
Melhores cumprimentos
Manuela de Brito
Agrupamento de Escolas de Alapraia

rita disse...

Manuela
A lei é clara. Podem dar-vos apenas um dia, mas não podem exigir-vos que façam a articulação na componente não lectiva. Esta questão é muito cara aos Educadores, que há uns anos viram o seu calendário alterado, por isso temos de exigir o cumprimento da lei. Exijam aquilo a que têm direito e se o não conseguirem vão a um sindicato, porque ele resolverá.
Nos dias de avaliação apenas as crianças com prolongamento de horário podem ir ao JI, pq as outras apenas tem componente lectiva e nesse(s) dia(s) NÃO há.

Albertina Pereira disse...

Olá Manuela,
É exatamente como diz a Rita. O argumento, neste caso, tem nome de Despacho n.º 9788/2011, de 4 de Agosto. É o despacho que fixa o calendário escolar para este ano letivo.Ficam aqui os pontos essenciais:
"1.6 — Na programação das reuniões de avaliação é assegurada a articulação entre os educadores de infância e os professores do 1.º ciclo do ensino básico, de modo a garantir o acompanhamento pedagógico das crianças no seu percurso entre aqueles níveis de ensino.
1.7 — Para efeitos do disposto no número anterior, imediatamente
após o final do seu 3.º período lectivo, os educadores de infância dispõem de um período de até três dias úteis para realizarem a avaliação das aprendizagens das crianças do respectivo grupo e procederem à sua articulação com o 1.º ciclo do ensino básico.
1.8 — No final dos 1.º e 2.º períodos lectivos, correspondentes aos ensinos básico e secundário, os educadores de infância dispõem de um período de até três dias úteis para realizarem a avaliação das crianças do respectivo grupo, que é obrigatoriamente coincidente com o período de avaliação estipulado para os outros níveis de ensino, com o objectivo
de permitir a articulação desse processo avaliativo com os professores do 1.º ciclo do ensino básico.
1.9 — Durante os períodos de avaliação das aprendizagens previstos nos números anteriores, devem ser adoptadas as medidas organizativas adequadas, em estreita articulação com as famílias e as autarquias, de
modo a garantir o atendimento das crianças, nomeadamente na componente de apoio à família."

Manuela, como se lê, cabe à direção arranjar solução para que se cumpra aquilo que o Ministério de Educação e Ciência determina.

Manuela de Brito disse...

Agradeço as vossas respostas. E tal como dizem penso que só o sindicato poderá resolver a questão. É o que vou fazer na próxima semana.

Obrigada colegas.

cumprimentos
Manuela de Brito

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